segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A Tropicália



              Algumas semanas atrás fui ao cinema ver o documentário Tropicália e posso dizer com toda segurança que foi uma das melhores produções nacionais que já vi. Resolvi então fazer um texto mais completo do que o que postei anteriormente sobre o movimento.

A EXPERIÊNCIA DOCUMENTADA

Jorge Ben, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee,
Gal Costa, Sérgio e Arnaldo Baptista.
             O documentário Tropicália não foi apenas um registro em vídeo de um movimento artístico, mas um relato de como ele surgiu e morreu pela visão coloridamente ácida dos próprios Tropicalistas remanescentes como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé, além de muitos outros.
Quando eu entrei na sala de cinema, fiquei observando que tipo de pessoas compartilhavam daquele interesse comigo. Alguns jovens de estilo alternativo, outros vinham com óculos que viram  muitas páginas muitos verões. Durante o filme pude ouvir uma senhora cantando as músicas que tocavam durante o filme e me senti  menos "eu" e parte de um "nós".




Os Mutantes, Caetano e Gil sendo vaiados
Festival Internacional da Canção.
             Me emocionei vendo Caetano gritando à plenos pulmões "Vocês não estão entendo nada! Nada! Nada!" contra a plateia que lhe vaiava enquanto os Mutantes acompanhavam tocando de costas para o público que atirava lixo no palco. No final do documentário, ouvi o eco quase solitário das minhas e outras poucas palmas daquela tarde de quarta-feira que aplaudiram em êxtase os artistas ausentes que me mostraram como ser aquilo que eu me orgulho de ser e não me importar com o resto que me incomoda.

Viva a banda-da-da!

UMA NOITE EM 67...

              Na década de 1960, o Brasil tinha como “música nacional” a chamada bossa nova, um canto baixinho de amor embalado por um violão como em Garota de Ipanema  e Eu Sei Que Vou Te Amar, no entanto a monotonia e certa alienação do estilo musical em total desarmonia com o pensamento crítico que vinha se desenvolvendo gerou um descontentamento entre os jovens nas rodas de bar que discutiam as ideias revolucionárias contra o imperialismo americano. Foi então que começou a se ouvir os rumores de uma nova música vinda lá de fora, um tal Rock and Roll.



           Os grandes nomes da televisão e rádio do país não apenas fecharam as portas para a beatlemania, mas também organizaram diversos movimentos contra a “invasão da cultura estrangeira”, chegando até a fazer caminhadas conta a guitarra elétrica. Apenas uma manobra comercial apoiada pela massa que achava mais fácil recusar o novo do que se adaptar a nova realidade. Foi então que dois artistas deslocados da entediante realidade cultural, Caetano Veloso e Gilberto Gil, resolveram criar um novo movimento, a Tropicália.

           A proposta era criar uma música que transitasse entre todos os outros estilos musicais ao invés de se limitar a estrutura rígida de apenas um, tendo como principais influências as musicas tradicionais nordestinas e sertanejas, além do samba é claro. Tudo junto e ao mesmo tempo, sem linhas, sem limites, mas não se engane em pensar que era um movimento descompromissado.


            Em 1968, Caetano e Gil orientados pelo seu produtor e maestro Rogério Duprat, lançam o Panis et Circensis, um disco de canções que não falavam apenas de amores e das coisas que estavam boas, também da violência, de sexo, da hipocrisia humana e de tudo mais aquilo que incomodava aqueles que não tinham voz. Para encorpar sua música, ambos chamaram uma banda inacreditavelmente talentosa que brotou nas terras brasileiras regada ao rock inglês, os Mutantes.


            Os seguintes videos foram gravados no Festival de Música Popular Brasileira em 67, transmitido pela Record. O primeiro mostra a canção “Domingo no Parque” que Gilberto Gil tocou com os Mutantes para concorrer no festival e o segundo abaixo é da canção Alegria, Alegria de Caetano. 



           Ao contrário do que possa parecer, o Tropicalismo foi muito mais odiado do que amado, na verdade pouca gente entendeu o que eles estavam tentando fazer e a memória do Tropicalismo só sobreviveu até hoje graças aos críticos de música e aos consumidores de cultura alternativa, muito diferente do que aconteceu lá fora.          

        Os Mutantes foram homenageados na França por um programa de TV em 1969 (confira o video abaixo) e Caetano e Gil vistos como gênios em Portugal. Até hoje seus nomes causam grande movimentação. Assistindo a um ensaio dos Mutantes numa reunião da banda em 2006, o produtor do Nirvana disse em entrevista: “Se eu tivesse que escolher entre isso e o último show dos Beatles, eu escolheria isso.” Sean Lennon, filho de John Lennon, também disse que os Mutantes levaram a experimentação dos Beatles a um nível superior. Muitos outros os citam como influência, desde Kurt Cobain ao Franz Ferdinan.




        Um ano após o lançamento de Panis et Circenses, Caetano e Gil foram expulsos do país pela Ditadura Militar para Londres, de onde só retornariam em 1972. Com a pressão da censura e a ausência de Caetano e Gil, o movimento foi se fragmentando até morrer oficialmente com o agonizante fim dos Mutantes em 1973.

          Caetano teve musicas em novelas. Gilberto Gil traduziu músicas do Bob Marley e tornou-se ministro da cultura. Rita Lee, antiga vocalista dos Mutantes, abraçou a música para vende e ninguém mais lembra quem eles realmente são. Sim, ainda são. Não me refiro a Rita Lee, é claro, mas qualquer um que veja Caetano Veloso, verá na escuridão daquele olhar afiado a mesma força que ele empregou na formação do Brasil como um país culturalmente vivo, mesmo que apenas nos bares que não se dobram a plasticidade e alienação da produção cultural vendida pela TV.


Continua aqui.

F. Essy

Nenhum comentário:

Postar um comentário